Opinião | Este não é apenas o caso de Alane; é uma realidade para muitos jovens que se veem presos em uma teia de expectativas irreais, amplificada pelas representações muitas vezes enganosas das redes sociais ou pelo círculo familiar
Como jornalista e observador crítico dos fenômenos sociais mediados pela televisão e pelas redes sociais, não pude deixar de refletir profundamente sobre a eliminação de Alane do BBB 24, no dia 14 de abril de 2024. A sua saída do programa não foi apenas um episódio de uma temporada televisiva; foi um microcosmo das pressões psicológicas que afligem a juventude contemporânea. A maneira como Alane enfrentou sua eliminação e as críticas subsequentes revela muito sobre a cultura de autocobrança excessiva que permeia nossa sociedade atual.
Naquele momento, vi não apenas uma participante sendo eliminada, mas uma jovem mulher exemplificando as lutas internas enfrentadas por muitos ao seu redor. A autocobrança, muitas vezes vista como um impulso motivacional, pode rapidamente se tornar uma fonte de grande sofrimento mental quando não gerenciada corretamente. Este não é apenas o caso de Alane; é uma realidade para muitos jovens que se veem presos em uma teia de expectativas irreais, amplificada pelas representações muitas vezes enganosas das redes sociais ou pelo círculo familiar.
É indiscutível o papel das redes sociais na modelagem das expectativas de vida, especialmente entre os jovens. Plataformas como Instagram, TikTok e Twitter transformaram a maneira como interagimos com o mundo, mas também como percebemos a nós mesmos e aos outros. A "vida perfeita" frequentemente exibida online é uma montagem cuidadosamente curada que raramente reflete a realidade complexa e muitas vezes desordenada do dia a dia de cada pessoa. O perigo aqui é duplo: não só essas representações podem induzir insegurança e insatisfação pessoal, mas também criar uma pressão constante para atingir um ideal que, na verdade, é inatingível.
Outra questão que me preocupa profundamente é a tendência de comparar os jovens de hoje com as gerações anteriores — como os nossos pais — que "aos 30 anos já tinham casa própria". Essas comparações são não apenas descontextualizadas, dado o vasto panorama econômico e social que mudou nas últimas décadas, mas também extremamente prejudiciais. Elas ignoram as realidades atuais, como a precarização do trabalho e as dificuldades econômicas crescentes, e impõem uma barreira adicional de expectativas que muitos acham impossível de superar.
“Ah, mas eu estou ótimo, fui atras e tô colhendo meus frutos”, que legal, parabéns! Você é a curva e essa não é a realidade da maioria. Frente a estas observações, considero essencial promover estratégias que ajudem os jovens a gerenciar melhor suas expectativas e a reduzir a autocobrança. Eu também passei por isso e foi muito difícil na época. Demorei a entender e somente hoje (um trintão mais próximo dos quarenta do que dos trinta) me sinto (quase) esclarecido no assunto. Práticas de mindfulness e terapia psicológica foram fundamentais para que eu pudesse compreender esse universo, assim como uma reeducação sobre a realidade das redes sociais. É vital encorajar uma visão mais realista e saudável dos "marcos de sucesso" e aceitar que cada pessoa tem seu próprio tempo e ritmo de vida.
É importante frisar também que a autocobrança se refere à tendência de impor a si mesmo expectativas elevadas de maneira consistente, muitas vezes sem levar em consideração limitações ou circunstâncias pessoais. Este traço pode ser originado de várias fontes, incluindo: pressões socioculturais, pois vivemos em uma sociedade que valoriza o sucesso, a produtividade e a competição, onde frequentemente as conquistas são vistas como indicativos do valor pessoal de um indivíduo; influências familiares, onde expectativas parentais elevadas podem nos levar a internalizar crenças de que devem sempre alcançar altos padrões; comparação social, da qual as redes sociais exacerbam esse fenômeno, onde a comparação constante com os outros pode fomentar sentimentos de inadequação e a necessidade de apresentar uma imagem de sucesso contínuo.
E esse impacto da autocobrança excessiva na saúde mental não é trivial. Alguns dos problemas comuns incluem: ansiedade e depressão, onde a pressão constante para atender às expectativas pode levar a sentimentos de ansiedade e, se as expectativas não forem atendidas, a depressão; baixa autoestima, já que a falha em alcançar padrões autoimpostos pode resultar em uma autoimagem negativa e dúvidas sobre o próprio valor; estresse crônico, porque a necessidade de manter padrões elevados pode resultar em estresse prolongado, que é prejudicial tanto mental quanto fisicamente; e a procrastinação, tendo em vista que em alguns casos, a autocobrança pode levar ao medo de falhar, o que resulta em procrastinação ou incapacidade de tomar decisões.
Em um papo muito legal que eu tive recentemente com minha prima Dyúlia Borges, que é psicóloga, ela me atentou para outra questão que foi levantada após o episódio com a Alane: será que essa cobrança veio da mãe dela? Teve até uma certa perseguição nas redes sociais sem embasamento algum. E a própria Alane, no dia seguinte a eliminação, ratificou em uma entrevista à Ana Maria Braga que a sua reação nada teve a ver com a criação de sua mãe.
Fato é, quem assiste essa situação de fora dificilmente conseguirá identificar a origem. E sobre isso, Dyúlia diz o seguinte: “Ela (Alane) pode ter interpretado por um padrão rígido dela, de pensamento, que tudo aquilo é uma grande cobrança, como algo muito sério e de que o mundo vai acabar, catastrofizando a situação, levando sempre para o pior cenário. Que é mais ou menos o que acontece com os jovens quando eles vão fazer ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que o mundo vai acabar se eu não passar, meus pais vão me botar para fora de casa, me deserdar, enfim. O que a gente trabalha normalmente (na psicologia)? Limites! Primeiro é reconhecer. Reconhecer que isso está acontecendo, reconhecer que aquele comportamento não é legal, seja da minha visão, da minha interpretação sobre aquilo que meus pais estão falando, ou sobre realmente esses pais estarem sendo tóxicos, estarem sendo abusivos. Em segundo, colocar esse limite de “olha, por mais que eu goste muito de ti, tu é minha mãe, enfim, não tem porque eu ficar aceitando essas coisas; isso que você fez não é legal; esse comportamento não foi bacana; isso aqui foi bem desagradável”, mas dentro de uma comunicação não violenta, assim, bem tranquilo de chegar e dizer que aquilo não foi bacana. Se aquilo não resolver, um caso mais extremo, aí vamos caminhar em terapia, porque não importa o quanto eu goste daquele familiar, ele não tem o direito de me tratar mal”.
Depois desse esclarecimento, Dyulia ainda ressaltou a questão das redes sociais dizendo o seguinte: “Uma questão de autocobrança com o que se vê nas redes sociais é uma armadilha. A gente sempre vai se comparar porque todo mundo nas redes sociais tem uma vida perfeita, todo mundo tem todas as coisas, todo mundo faz tudo o que pode. E quando a gente não tem essa consciência de que aquilo é muito montado, e o que a gente tá vendo é um recorte sobre a vida daquela pessoa, a gente vai se cobrar, a gente vai se comparar com pessoas que, às vezes, nem têm uma vida tão legal quanto a gente acha que ela tá tendo, sabe? Então, nesse quesito, é se aproximar de perfis mais parecidos com o da gente e, talvez, um detox, evitar por um tempo as redes sociais até se recuperar, até entender o que está se passando com a própria cabeça. (E se questionar) Onde é que eu estou pecando, onde é que eu estou me cobrando, (e principalmente) por que eu estou me cobrando?”.
Esse papo com a psicóloga Dyulia Borges e a história de Alane me lembra da importância de equilibrar nossas aspirações com uma aceitação compassiva de nossas realidades pessoais. Este é um momento de aprendizado, não só para Alane ou para os jovens que se veem refletidos em sua experiência, mas para a sociedade como um todo. Devemos aprender a valorizar o progresso pessoal e a saúde mental acima de realizações superficiais e a reconhecer que viver no próprio tempo não é um sinal de fracasso, mas um ato de coragem e autorrespeito.
■ Por Richard Günter
Jornalista, pós-graduado em Roteiro Audiovisual e graduando de Cinema
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