Crítica | ★★★★☆ | Mesmo com suas limitações, é um bom filme que entrega exatamente o que promete: uma trama envolvente e o charme típico das melhores novelas
O filme “A Vilã das Nove” entrega uma experiência imersiva e irresistível, graças ao seu elenco talentoso e ao roteiro cativante, que faz jus ao título ao trazer uma trama novelesca repleta de intrigas e reviravoltas. A história, ambientada em um cenário que evoca tanto o mistério quanto o drama típico das novelas brasileiras, leva o espectador a mergulhar nas motivações profundas de uma protagonista enigmática. Embora a narrativa construa bem o suspense e consiga prender a atenção até o final, é frustrante que o desfecho opte por uma solução simplista. No lugar de uma conclusão arrojada que condissesse com a intensidade construída, o longa se rende a uma resolução fácil, o que deixa um gosto de inacabado.
O filme ganha um interesse a mais ao explorar os bastidores do processo criativo das telenovelas, que, afinal, reflete bem o universo das produções audiovisuais em geral. Nesse cenário, é comum ver ideias sendo apropriadas, profissionais não creditados pelo seu trabalho ou recebendo salários aquém do valor que entregam, tudo para que o nome do roteirista principal ou do produtor se destaque de forma isolada. Além disso, a maneira como o roteiro aborda uma característica central das telenovelas — sua capacidade de adaptação ao longo do tempo conforme o comportamento da audiência — é instigante e pouco explorada em outras produções. Embora o filme trate do tema de maneira breve, com toques pontuais e sem aprofundamento, ainda assim consegue lançar uma luz sobre esse aspecto dinâmico e singular do gênero.
Um dos pontos altos do filme é a atuação de Karine Telles, que apresenta uma performance intensa e multifacetada. Karine, conhecida por sua versatilidade em produções como “Que horas ela volta” e “Bacurau”, interpreta Roberta, sua personagem com camadas que vão do sutil ao explosivo. Sua presença em cena é magnética, o que torna a trajetória de sua personagem ainda mais envolvente.
Já Alice Wegmann, uma atriz que vem se destacando em produções como “Rensga Hits” e “Justiça 2”, traz uma atuação igualmente forte e emocional, dando à personagem uma vulnerabilidade que a humaniza. O equilíbrio entre o brilho e a intensidade de Karina e Alice é, sem dúvida, um dos elementos mais memoráveis da obra.
Outro destaque é Camila Márdila, que interpreta uma atriz cujo papel principal na novela, dentro do filme, é inspirado na personagem de Karine Teles. A interpretação de Camila exibe um toque metalinguístico interessante: sua personagem atua como um “espelho” dramático e exagerado da própria protagonista, trazendo nuances que brincam com a paródia e a seriedade. Conhecida por seu papel em “Que Horas Ela Volta?”, Camila transita com habilidade entre o humor e a intensidade, fazendo de sua atuação uma homenagem afetuosa e, ao mesmo tempo, crítica ao universo das telenovelas. Sua performance eleva a trama e contribui para a sensação de que o filme é uma grande homenagem ao gênero, ao mesmo tempo em que subverte as expectativas do público.
O roteiro de “A Vilã das Nove” é assinado por Teo Poppovic, que também dirige o filme. Poppovic, que já tem no currículo trabalhos relevantes como o roteiro Da série “3%” da Netflix e “Rota 66: a polícia que mata” do Globoplay, mostra aqui sua habilidade em construir diálogos afiados e uma estrutura narrativa que capta a essência da novela brasileira, sem cair em estereótipos.
Ao lado dele, estão roteiristas em ascensão como Maíra Bühler, que também roteirizou “Cidade Pássaro” e "A Vida Privada dos Hipopótamos", oferecendo uma visão humana e complexa para os personagens; André Pereira, conhecido por trabalhos em “Abraço de Mãe”, cujos diálogos carregam uma força poética; e Gabriela Capello, que roteirizou o documentário “Yatra – Uma viagem externa, interna e secreta”. Juntos, eles formam uma equipe criativa que dá ao roteiro um toque literário, mas sem perder a leveza e o drama característico que o título sugere.
Porém, quando o filme tenta intensificar o suspense ou fazer de Roberta uma figura tão fascinante quanto poderia ser, o roteiro perde o rumo, levando a direção de Poppovic a se limitar ao essencial, apesar do esforço evidente de Karine Teles. Dessa forma, “A Vilã das Nove” perde rapidamente sua força, deixando uma ideia promissora se diluir em algo previsível, como as tramas mais rotineiras das telenovelas.
OPINIÃO À PARTE
É desolador ver como o cinema brasileiro, mesmo em suas produções mais interessantes, é frequentemente negligenciado. A experiência de assistir a “A Vilã das Nove” refletiu bem essa realidade: sem cartaz no cinema e sem uma campanha de divulgação adequada, o filme parecia fadado ao esquecimento desde o início. Na sessão, em um espaço com mais de 100 lugares, havia apenas eu e um convidado — uma solidão que contrastava com a qualidade do filme e evidenciava o descaso com sua distribuição. Isso revela uma tendência preocupante, pois, sem a devida visibilidade, o público continua a deixar de lado obras nacionais de grande valor, impedindo o cinema brasileiro de alcançar a audiência que poderia — e deveria — ter. Obs.: este não teve a divulgação da Globo Filmes.
Apesar desse cenário desolador, confesso que, no geral, achei “A Vilã das Nove” uma experiência muito divertida e interessante. A narrativa, que constrói uma produção de novela dentro do filme, poderia facilmente ter se perdido em exageros, mas surpreende ao se equilibrar bem entre a homenagem e a crítica ao gênero. Mesmo com suas limitações, é um bom filme que entrega exatamente o que promete: uma trama envolvente e o charme típico das melhores novelas. Como um bom noveleiro, suponho que se a novela “A Má Mãe” existisse de verdade, ela repercutiria na audiência!
■ Por Richard Günter
Jornalista, pós-graduado em Roteiro Audiovisual e graduando de Cinema
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